“Essa contribuição de vital importância para todos os sindicatos, a partir de agora, adquire o essencial foro de constitucionalidade, apesar de mantido o nada republicano direito de oposição ao seu desconto”

Para quem não tem nada, metade é o dobro.”

O velho provérbio da epígrafe calha bem à decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por 10 votos a 1, no julgamento dos embargos de declaração opostos no processo ARE 1018459, que trata da contribuição assistencial aos sindicatos, realizado pelo plenário virtual e encerrado ao dia 11 de setembro corrente, fixando a seguinte tese:

É constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição”.

Explica-se:

Até essa decisão, toda e qualquer cobrança de contribuição de trabalhadores/as não filiados/as aos respectivos sindicatos, sem sua prévia e expressa autorização por escrito, era declarada inconstitucional. Isso sujeitava o sindicato que a cobrasse a toda sorte de questionamento administrativo e judicial, sofrendo sistematicamente condenação de devolução do que cobrara e de pesada multa, caso o repetisse.

Essa contribuição de vital importância para todos os sindicatos, a partir de agora, adquire o essencial foro de constitucionalidade, apesar de mantido o nada republicano direito de oposição ao seu desconto, que pende de definição, sem contrapartida.

Ou seja, sem a obrigação de o trabalhador opositor adotar igual procedimento quanto aos direitos assegurados pelo instrumento normativo (convenção ou acordo coletivo) que a aprovar — em verdadeira afronta ao multimilenar e universal princípio da isonomia, posto que os iguais continuam a ser tratados de forma desigual —, soa como verdadeira punição aos/às trabalhadores/as filiados/as, que pagam para custear as despesas necessárias à conquista convencional, enquanto os/as não filiados/as podem tê-los, sem a obrigação de contribuir para que sejam garantidos.

Isso, além de imoral, criou e mantém a desequiparação injusta de trabalhadores da mesma categoria, como judiciosamente registrou o ministro Roberto Barroso, em seu voto-vista, que se constituiu no fio condutor da mudança de entendimento do STF.

Eis o excerto citado:

Nesse modelo, não há incentivos para o trabalhador se filiar ao sindicato. Não há razão para que ele, voluntariamente, pague por algo que não é obrigatório, ainda que obtenha vantagens do sistema. Todo o custeio fica a cargo de quem é filiado. Trata-se de uma desequiparação injusta entre empregados da mesma categoria”.

Se antes os sindicatos se achavam com pés e mãos amarrados para enfrentar a nefasta e escancarada cruzada patronal contrária ao desconto dessa contribuição, com o único vil propósito de, por meio dela, estrangulá-los financeiramente, a partir da comentada decisão do STF, há, sim, amparo jurisprudencial e legal (Art. 513, ‘e’, da CLT) para fazer frente a ela, por meio de medidas judiciais, tais como ação de cumprimento de convenção ou acordo coletivo e ações por práticas antissindicais, violadoras da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (Art. 23, item 4), da Convenção 98 da Organização Internacional do Trabalho (Art. 1, caput) e da Convenção 154 da OIT (Art. 5), todas ratificadas pelo Brasil.

Não remanesce nenhuma dúvida de que a cruzada do capital contra os sindicatos profissionais não cessará com a comentada decisão do STF, como espelham os fraudulentos e sistemáticos editoriais, artigos e gritos — mais apropriados seria dizer guinchos — que se multiplicaram desde abril, quando o tribunal sinalizou que mudaria seu entendimento sobre a questão.

Os tecelões de discursos e as carpideiras de plantão não se pejam em assacar aleivosamente contra a nova jurisprudência do STF, sob o falso discurso de que ela, além de violar a liberdade de filiação, representa a volta da contribuição sindical compulsória, a que pejorativamente chamam de imposto sindical, o que foi desautorizado por todos os ministros em seus respectivos votos que a ensejaram e a confirmaram.

A diferença fundamental entre o antes e o agora é que, a partir desta decisão — repita-se, por 10 votos a 1 —, os sindicatos têm escudo constitucional para travar a guerra contra as empresas que os querem ver destruídos e contra os trabalhadores que são incapazes de pensar no coletivo, voltando-se tão somente para seus interesses individuais e, nesse caso, mesquinhos.

Na guerra que os sindicatos têm o imperioso dever de travar para viabilizar a democrática e legítima forma de sua sustentação financeira, que é a contribuição assistencial sob discussão, faz-se imperioso ressaltar que em nenhum outro país do mundo é possível beneficiar-se das conquistas coletivas, convenções e acordos sem por elas pagar. Nos demais países, quem quiser usufruir das garantias dos contratos coletivos nacionais e/ou acordos coletivos tem de contribuir para a entidade sindical que o firmou; sem isso, não há benefícios.

Veja-se o que estabelece o Art. 1º do contrato coletivo firmado entre a Confederação Nacional da Educação e Formação (CNEF) e a Federação Nacional dos Professores de Portugal (Fenorof):

Artigo 1.º Âmbito 1- A presente convenção é aplicável, em todo o território nacional, aos contratos de trabalho celebrados entre os estabelecimentos de ensino representados pelas associadas da Confederação Nacional da Educação e Formação (CNEF) e os trabalhadores sindicalizados ao seu serviço, representados pelas associações sindicais outorgantes. 2- Esta convenção abrange 600 (seiscentos) empregadores e 25 224 (vinte e cinco mil duzentos e vinte e quatro) trabalhadores, bem como os trabalhadores que a ela adiram”.

Claro que a luta sindical brasileira não é nem pode ser a de limitar os benefícios convencionais aos filiados, como é o caso português sob destaque. Ao contrário, tem de ser pela sua aplicação a todos os integrantes da categoria, como já o é, mas com a contribuição financeira de todos, sem a qual sindicato forte e representativo é mera figura de retórica.

No quesito financiamento sindical, essa é a montanha que os sindicatos devem conquistar, parafraseando o filósofo húngaro István Mészáros.

Por tudo isso, é que a decisão do STF, mesmo com toda timidez e brechas para indevida e imoral oposição ao desconto da contribuição assistencial e por condicioná-la ao êxito na negociação coletiva — o que o Art. 513, ‘e’, da CLT, não faz —, reveste-se de colossal relevância por permitir a reconstrução de cenário há muito corroído, paradoxalmente, por sua própria jurisprudência.

Ao debate e à ação!

 

Por José Geraldo de Santana Oliveira - consultor jurídico da Contee

Fonte: https://contee.org.br/

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