Crise na pandemia pode afetar por nove anos salário e emprego dos brasileiros, principalmente dos menos qualificados.

O relatório do Banco Mundial “Emprego em Crise: Trajetória para Melhores Empregos na América Latina Pós-covid-19” alerta que os efeitos da pandemia da covid-19 podem afetar, por até nove anos, os salários dos trabalhadores médios do país. Os trabalhadores menos qualificados e informais serão os mais atingidos, o que exige políticas para garantir formalização e renda.

O documento também recomenda modificações no seguro-desemprego e maior atenção às políticas de inclusão de trabalhadores informais no mercado de trabalho, especialmente no cenário pós-pandemia. A atenção deveria ser de facilitar e ampliar o acesso ao benefício, para garantir um colchão de renda para as famílias mais vulneráveis.

Em 2019, no Brasil, somente 17,7% da média mensal de trabalhadores desempregados (12,6 milhões) receberam benefícios de desemprego, podendo contar apenas com o Bolsa Família para a proteção mínima da renda, quando elegíveis.

O relatório aponta que o seguro-desemprego acaba tendo um papel limitado na proteção social aos trabalhadores, “pois aqueles que são mais afetados pelas crises econômicas, como a causada pela pandemia, a exemplo dos trabalhadores informais e autônomos formais, são inelegíveis para receber o benefício”.

Comparação com outros países

O relatório também mostra que outro ponto a ser considerado é o de que o período de pagamento do seguro no país, que varia de três a cinco meses, é inferior ao de outros países comparados. Além disso, o acesso ao benefício é um pouco mais difícil no Brasil do que em outros países. Atualmente, para ter direito ao seguro-desemprego pela primeira vez é preciso ter trabalhado com carteira assinada em 12 dos últimos 18 meses anteriores ao desligamento.

“A crise econômica gerada pela pandemia da covid-19 ressaltou a importância de renovar os instrumentos de proteção social a fim de proteger a renda contra os choques canalizados por meio do mercado de trabalho, no Brasil e no mundo”, afirma o documento.

O relatório, no entanto, sugere ajustes no valor do benefício, considerado alto, assim como no período de atendimento, considerado curto.

“O alto valor do pagamento inicial dos programas de desemprego, juntamente com sua curta duração, resultam em incentivos ao uso excessivo de benefícios do desemprego, mas com um apoio abaixo do ideal, que não beneficia aqueles propensos a períodos de desemprego mais longos”, diz o relatório.

Uma das recomendações propostas é a de que, para melhorar a cobertura do seguro-desemprego, o período de carência para elegibilidade ao primeiro pedido seja reduzido, e a exigência para pedidos subsequentes, aumentada. Outra possibilidade é de que um menor peso de contribuição poderia ser atribuído a períodos de contribuição ininterruptos.

Nove anos de cicatrizes

De acordo com o documento, a crise gerada pela pandemia vai afetar o mercado de trabalho no Brasil e na América Latina por um longo período, inclusive com efeito negativo sobre empregos e salários.

 

“No Brasil e no Equador, embora os trabalhadores com ensino superior não sofram os impactos de uma crise em termos salariais, e sofram apenas impactos de curta duração em matéria de emprego, os efeitos sobre o emprego e os salários do trabalhador médio ainda perduram nove anos após o início da crise”, diz o relatório.

O relatório aponta que essa situação vai deixar cicatrizes, como o aumento no desemprego, na informalidade e também redução dos salários.

“Na região da ALC [América Latina e Caribe], as cicatrizes são mais intensas para os trabalhadores menos qualificados, sem ensino superior”, diz o documento.

O “efeito cicatriz” estudado por economistas diz respeito a efeitos duradouros e difíceis de serem superados, conforme as crises econômicos e surtos de desemprego se prolongam.

Períodos de desemprego mais longos ou mais frequentes têm consequências negativas maiores sobre os salários. Além disso, o efeito cicatriz da perda do emprego pode durar gerações. Estudos de 2008 constataram que os canadenses cujos pais perderam o emprego tinham rendimentos anuais 9 por cento mais baixos do que canadenses semelhantes cujos pais não sofreram choques semelhantes no emprego.

Em países da América Latina esse tipo de estudo é escasso. Nos países ricos, há estudos, por exemplo, sobre as cicatrizes que ficam após períodos de demissão em massa por fechamento de grandes empresas. Economistas acompanham trabalhadores que se demitiram voluntariamente ou foram forçados para observar como se saíram economicamente.

O documento foi divulgado em junho, e na manhã desta terça-feira (20) um webinário (seminário pela internet) com os autores aprofundou o diagnóstico.

Apoio à busca por emprego

O relatório destaca que também faltam políticas de apoio para auxiliar os trabalhadores que estão buscando emprego de forma autônoma.

“Para enfrentar esses desafios, serão necessárias reformas regulatórias dos atuais benefícios de desemprego e reinvestimentos das economias para desenvolver sistemas de apoio modernos que reduzam o risco moral, mas também atendam a metade menos protegida do mercado de trabalho, para quem quase nenhuma despesa é dedicada”, defende o relatório.

O documento sugere ainda a adoção de programas de seguro-desemprego para os trabalhadores autônomos formais. Alguns desses programas já existem em países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE). Esses programas, tendem a ter critérios de elegibilidade mais rigorosos do que para os trabalhadores formais assalariados, incluindo a comprovação de falência ou fechamento involuntário da empresa.

 

Fonte: O Vermelho - vermelho.org.br/

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