Em meio ao cenário em que atividades essenciais são protagonizadas por entregadores, atendentes, profissionais de limpeza e saúde, pesquisadora Maria Cecilia de Almeida Monteiro Lemos cita que maior desafio atual 'é inclusão dos trabalhadores em situação de dignidade'. Leia entrevista.

O termo "serviço essencial" entrou de uma vez por todas no vocabulário mundial durante a pandemia do novo coronavírus. Neste sábado (1º), Dia do Trabalho, o G1 conversou com a doutora em Direito do Trabalho e Mestre em Direito das Relações Sociais, Maria Cecilia de Almeida Monteiro Lemos, sobre como como o cenário mudou em um ano.

Para a pesquisadora em Direitos Humanos e Relações Sociais, em meio aos avanços tecnológicos, a função de entregadores, atendentes, profissionais de limpeza e de saúde passou a ser classificada como serviço essencial. Isso, segundo ela, mostra que, mesmo com toda a informatização, as pessoas têm uma importância fundamental.

"A pandemia mostrou a importância do trabalho humano", ou seja, aquele feito por gente, que está por trás ou na frente das máquinas. Para Maria Cecília, o principal desafio atual "é a inclusão dos trabalhadores em situação de dignidade".

No Distrito Federal, a desigualdade de renda ocorre entre servidores públicos, com possibilidade de home office, e outros, da área da saúde, na linha de frente contra a Covid-19, com jornada dupla. Além disso, entregadores delivery, atendentes de mercado e profissionais de limpeza urbana não tiveram direito ao isolamento social.

Veja o que foi abordado na entrevista:

  1. O que a pandemia evidenciou, em relação ao atual cenário no mundo do trabalho
  2. Quais foram as atividades, antes inviabilizadas, que após a pandemia tiveram sua importância reforçada
  3. De que forma o avanço tecnológico se relaciona com o trabalho na pandemia
  4. Qual é a saída para o cenário de crise
  5. Na pandemia, por conta dos servidores públicos, a desigualdade de renda em Brasília pode ser mais acentuada que nas demais regiões?

1) O que a pandemia evidenciou em relação ao atual cenário do mundo do trabalho?

Carteira de trabalho em imagem de arquivo — Foto: Agência Brasil

Carteira de trabalho em imagem de arquivo — Foto: Agência Brasil

 

A pesquisadora destaca que a maior parte da população economicamente ativa brasileira "é de desempregados e trabalhadores informais, que não têm proteção social".

"Esse enorme contingente está excluído de aposentadoria, auxílio- doença, não tem uma renda mínima, ficaram afastados de qualquer forma de proteção", diz Maria Cecilia de Almeida Monteiro.

Para ela, uma forma de enfrentar o cenário é com desenvolvimento social e investimento do Estado em políticas públicas. "Há uma necessidade de redirecionamento de políticas públicas para o desenvolvimento social, sem jogar para o trabalhador a responsabilidade pelo custo do trabalho e a crise econômica", aponta a especialista.

2) Quais foram as atividades, antes inviabilizadas, que após a pandemia tiveram sua importância reforçada?

Funcionários do SLU trabalham em rua do DF — Foto: TV Globo

Funcionários do SLU trabalham em rua do DF — Foto: TV Globo

Maria Cecilia de Almeida Monteiro Lemos cita, entre os profissionais mais atingidos, entregadores de plataformas digitais, garis, trabalhadores da saúde e atendentes. Segundo ela, eles "desempenham atividades que continuaram funcionando, enquanto uma parcela migrou para o home office". Além disso, a precariedade das condições de trabalho do grupo chama a atenção da pesquisadora: "Muitos deles não têm proteção social, garantia de saúde e controle de jornada, por exemplo", afirma.

"O desafio da sociedade que a gente tem que construir, é incluir a maior parte dos trabalhadores em uma situação de dignidade, e não reduzir direitos."

"O compromisso constitucional que o estado democrático brasileiro assumiu é de trabalho digno, com direitos fundamentais. Direito à saúde, temos que restaurar isso e tentar, a partir disso, dar uma resposta à crise global", diz.

3) De que forma o avanço tecnológico se relaciona com o trabalho na pandemia?

Uso da internet, em imagem de arquivo — Foto: TV Globo/Reprodução

Uso da internet, em imagem de arquivo — Foto: TV Globo/Reprodução

"A pandemia mostrou, na verdade, a importância do trabalho humano. Quando as atividades paralisaram, por causa das medidas de isolamento social, uma grande parcela da população, eu diria a maioria, não tinha condições de fazer o trabalho remoto, domiciliar", afirma a pesquisadora.

Para ela, a situação mostra um paradoxo. "Na paralisação, ficou evidente a importância do trabalho humano e a fragilidade desse discurso de que o homem vai ser substituído pela máquina. A Indústria 4.0 [revolução industrial com ênfase no desenvolvimento tecnológico] vem para modificar as relações de trabalho, mas o ser humano ainda é o centro de toda a força de trabalho", diz.

"O capital, sem o trabalho, não existe."

A especialista ressalta que a atividade humana deve atuar para um bem comum. "Nós precisamos utilizar essa capacidade humana de desenvolvimento, junto com a tecnologia, para benefício de toda a sociedade. Enquanto nós utilizamos essa capacidade humana, e de pesquisa, para produzir produtos e soluções para uma minoria, não vamos superar os problemas", afirma.

4) Qual é a saída para o cenário de crise?

Profissional de saúde aplica vacina contra Covid-19 no Distrito Federal — Foto: Breno Esaki/Agência Saúde DF

Profissional de saúde aplica vacina contra Covid-19 no Distrito Federal — Foto: Breno Esaki/Agência Saúde DF

Questionada sobre o futuro do trabalho, a pesquisadora afirma que "a primeira medida necessária para retomar o emprego é a vacinação em massa".

"Se não tiver vacinação em massa, as pessoas vão ter que sair de casa, se expor, adoecer e morrer", diz a doutora em Direito do Trabalho.

Maria Cecília lembra que a atenção também deve ser voltada para quem está na linha de frente do combate à pandemia. "Cerca de 65% da população brasileira é dependente do Sistema Único de Saúde (SUS), e a valorização dos profissionais dessa área também é muito importante".

5) Na pandemia, por conta dos servidores públicos, a desigualdade de renda em Brasília pode ser mais acentuada que nas demais regiões?

Vista da Esplanada dos Ministérios, em Brasília. — Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino

Vista da Esplanada dos Ministérios, em Brasília. — Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino

"Acredito que, no DF, a gente tem um retrato da desigualdade que existe no Brasil, que é um dos países mais desiguais do mundo", aponta a especialista.

"A situação no DF acaba saltando mais aos olhos porque nós temos uma grande parcela de moradores do serviço público, que tem estabilidade. Mas o fato é que essa concentração de renda, ocorre em todos os estados brasileiros, de uma forma ou de outra", diz.

Para a pesquisadora, a saída é a inclusão social. "Diferentemente de uma perspectiva reducionista de direitos, entendo que vamos reduzir a desigualdade na medida em que houver a inclusão de trabalhadores em um patamar mínimo de proteção, com distribuição de renda [com exemplo dos auxílios para trabalhadores]".

 

Por Carolina Cruz, G1 DF

Fonte: g1.globo.com

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