Estudos apontam que as mulheres precisam se preocupar com características de sua personalidade para crescer no mercado

Por Louise da Campo.

Quando a pesquisadora Joan Williams entrevistou 127 mulheres em altos cargos de poder nos Estados Unidos, ela percebeu um padrão interessante que se repetia em suas falas. Suas entrevistadas relataram que no ambiente de trabalho precisavam misturar características tidas como masculinas com características tidas como femininas. Elas não podiam ser delicadas demais, mas nem assertivas demais.

Williams percebeu que essas mulheres poderosas usavam desses estereótipos femininos, que poderiam impedir seu crescimento profissional, e os utilizavam como forma de impulsionar suas carreiras. Estereótipos como a mãe altruísta ou a filha obediente eram recorrentes em suas falas.

Ao perguntar para uma executiva qual era o segredo para se manter no cargo, recebeu a resposta “Seja a mãe afetuosa 95% do tempo, de modo que nos 5% do tempo que você precise ser durona, você possa ser”.

Williams resolveu chamar isso de judô de gênero. Pois, judô é a arte marcial que significa “caminho suave” em japonês.

“As mulheres que minha equipe de pesquisa entrevistou jogaram com esses estereótipos femininos de maneira muito direcionada. Elas escolheram elementos da feminilidade tradicional com os quais se sentiam confortáveis. Para algumas, essas táticas eram autoconscientes; para outras, foi apenas parte do conhecimento que as tornou tão bem-sucedidas”, escreveu Williams para o The Washington Post.

A pesquisa de Joan Williams me fez pensar em muitas questões, mas principalmente em como isso se aplicaria no Brasil. Até que ponto as características da personalidade de uma mulher são variáveis importantes para crescer no mercado de trabalho? Uma mulher consegue crescer sendo direta e assertiva? Usar dos estereótipos femininos faz sentido no nosso contexto?

Foi a partir desses questionamentos que eu resolvi acompanhar duas mulheres em início de carreira, com personalidades completamente opostas. Durante duas semanas, elas me enviaram relatos escritos e em áudio, através de uma rede social, onde me contavam situações que vivenciaram ou estavam vivenciando em seus trabalhos.

JUDÔ DE GÊNERO

Como em uma luta de judô as chamarei de Lutadora 1 e Lutadora 2.

Em uma cidade pequena no interior do Rio Grande do Sul a Lutadora 1 se prepara para mais um dia de trabalho em home office, ela atua como redatora em uma agência de comunicação e escreve sobre diversos tópicos, em um dia de trabalho ela chega a entregar mais de dez textos para clientes. Ela tem 23 anos, além do trabalho se dedica a inúmeros cursos sobre comunicação e, ainda estuda uma pós-graduação na área. Ela é calma e evita conflitos o máximo que pode, mesmo trabalhando em um ambiente que pode ser bem conturbado. A Lutadora 1 está tentando vencer no mercado de trabalho através da calma, simpatia e muito autocontrole.

A vários quilômetros de distância, a Lutadora 2 se arruma para o trabalho. Na bolsa coloca seu celular, sua carteira, um protetor labial e o indispensável álcool gel, os tempos de pandemia pedem. Ela chega na farmácia em que trabalha às 8h. 8h10 já está atendendo o primeiro cliente. E é assim o dia inteiro: atende um cliente, organiza o estabelecimento, atende outro cliente, auxilia o subgerente com alguma questão relacionada ao sistema e atende mais cliente.

Há dois anos, ela deixou a capital de Santa Catarina para se mudar para o interior do Estado. Aos 24 anos, vem investindo em sua profissionalização, trabalha durante o dia e estuda durante a noite. Sua rotina de trabalho é exaustiva, há metas de venda para alcançar e dois chefes bem exigentes.

“Às vezes eu sou muito direta, isso acaba me prejudicando um pouco. A maioria das vezes eu tenho que omitir como eu agiria. Se eu vejo algo errado acontecendo, por exemplo, defendo a equipe e me imponho, talvez esse é um dos pontos que me prejudica bastante…”, relata.

A lutadora 2, está tentando vencer no mercado de trabalho através de sua sinceridade e assertividade. Autocontrole? Nem sempre.

A agência em que a Lutadora 1 trabalha é pequena, sua chefe é uma mulher e ela tem apenas um colega homem que atua na mesma posição que a sua. É perceptível que existe um tratamento diferenciado entre os dois, seu colega não aparece em inúmeras reuniões, atrasa os prazos de entrega de trabalho e constantemente viaja, porém, ele não é questionado sobre isso.

“Uma vez eu precisei viajar e adiantei o trabalho de semanas, mas ela me infernizou todos os dias. Mas meu colega já fez isso e ela não dizia nada, chegou até ir à casa dele para entregar as demandas. Faz tempo que ele tem uma tarefa para fazer que não entrega, mas ela cobra ele como se fosse uma mãe cobrando uma tarefa de um filho”, conta.

A equipe da Lutadora 2 é composta por 5 funcionárias e dois chefes: o gerente e o subgerente, ambos homens. Há alguns meses a subgerente era uma mulher, a mais antiga da equipe, porém, ela foi rebaixada do posto, pois segundo o gerente não estava entregando bons resultados. Antes de mudar de posição, ela sugeriu que a Lutadora 2 fosse a nova subgerente, porque ela sempre superava as metas e era a mais qualificada sobre o sistema do estabelecimento. O gerente disse que não, pois ela não tinha o perfil adequado para o cargo e que ele já tinha alguém em mente.

O escolhido foi o único funcionário homem da equipe, que trabalhava no estabelecimento há apenas cinco meses. “Eu me pergunto porque eu não fui cogitada se eu tenho mais experiência que o rapaz que está agora, mais tempo de empresa e sou a pessoa que mais tem conhecimento sistemático, mais que o próprio subgerente, porque sou eu que estou ensinando ele. Eu me pergunto: quais foram os pontos que interferiram minha indicação por parte do meu chefe? ”, questiona.

Mas por que duas mulheres tão diferentes, em lugares diferentes do país e contextos empresariais diferentes vivenciam situações tão parecidas? Para responder essas questões, conversei com duas pesquisadoras brasileiras. A Doutora em Sociologia, Marilis Lemos de Almeida, possui pesquisas relacionadas a mulheres e mercado de trabalho. Ela explica que, a trajetória das mulheres para o crescimento profissional costuma ser mais difícil que a dos homens, pois elas precisam de uma constante reafirmação pelo direito de estarem onde estão.

Há, ainda, inúmeras outras variáveis que afetam seus desempenhos. A situação sociocultural em que o país se encontra e a cultura da própria empresa onde trabalha são fatores que precisam ser levados em conta.

Patrícia Biasoli é estatística e Doutora em Sociologia, além dos anos de experiência em cargos de gestão, também possui pesquisas sobre mulheres em posições de liderança. Sua tese de doutorado abordou as conciliações, dificuldades e conquistas de mulheres em cargos de gestão na região metropolitana do Rio Grande do Sul.

Na pesquisa, ela constatou que há uma reatualização da desigualdade de gênero no mercado de trabalho. Há muito avanços em relação às mulheres, porém as desigualdades ainda aparecem, mas de forma diferente.

As mulheres precisam focar em suas carreiras de maneira mais intensa que os homens e ainda gerir a vida familiar e as atividades domésticas. “Elas assumem todas as tarefas e ignoram as dificuldades, o que gera uma sobrecarga de trabalho. Por exemplo, elas abrem mão de um almoço com colegas de trabalho para ir buscar o filho na escola. Então, ela acaba se afastando do ambiente profissional, o que não é bom porque elas acabam perdendo alguns momentos informais de trabalho que poderiam ajudar em suas conexões. ”, explica Biasoli.

MAS QUAL A SAÍDA PARA ESSAS ARMADILHAS?

Arte: Camila Beque

Uma pesquisa publicada no The Economic Journal mostrou que as relações de trabalho das mulheres dependem do quão simpática elas são, mas o mesmo não acontece com os homens. “Descobrimos que as equipes femininas diminuem sua contribuição para o bem público no caso de falta de simpatia, enquanto as equipes masculinas alcançam altos níveis de cooperação, independentemente do nível de simpatia mútua. ”, escrevem os pesquisadores Leonie Gerhards e Michael Kosfeld, condutores do estudo.

Pode parecer que a Lutadora 1 enfrente menos desafios por sua personalidade calma e por sua simpatia constante, mas não. As armadilhas ainda continuam, ela passa por diversas situações em seu local de trabalho, sua credibilidade é mais questionada e ela é mais cobrada que seu colega que exerce a mesma função. Com a Lutadora 2 não é diferente, ela é criticada se é muito direta e sua personalidade julgada ao ponto de não ser indicada para um cargo, mesmo sendo a mais competente.

É uma corda bamba que as mulheres enfrentam, ser simpática e doce demais demonstra fraqueza, mas ser assertiva e séria também não serve. Joan Williams explica que para que o preconceito acabe no mercado de trabalho seria preciso redesenhar as contratações, atribuições, avaliações e promoções.

“Os contratantes devem avaliar o potencial e as conquistas separadamente – dessa forma, tanto homens quanto mulheres têm maior probabilidade de serem julgados pelas mesmas métricas”, escreve Williams.

A opinião das pesquisadoras é consenso: a cultura empresarial precisa ser modificada para garantir equidade de gênero e um tratamento igualitário para as mulheres. No entanto, o espaço corporativo ainda não apresenta um esforço significativo para uma mudança efetiva das relações de trabalho, são as mulheres que precisam exercer um esforço individual enorme para crescerem.

“Depende muito da cultura da empresa e isso não se constrói do dia para a noite, isso vem de cima para baixo. Se as pessoas que estão em nível máximo têm uma visão diferenciada, isso é transmitido para a empresa toda”, assinala a pesquisadora Biasoli.

 

FONTE: https://catarinas.info/

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