Depois de quase 5 mandatos, o lulismo já disse a que veio, daí para mais é preciso colocar nesse processo o fator povo, no sentido orgânico. Isto é, não apenas como elemento retórico e/ou simbólico. A despeito de críticas, principalmente à esquerda, é preciso entender os limites do lulismo.

Para daí construir, se for o caso, a ponte para conduzi-lo a algo mais avançado, política e economicamente. Essa agenda não é etérea ou romântica. É preciso ser pensada e organizada. Quem e o que vão construir essa possibilidade ou alternativa?

Todavia, antes de entender esse fenômeno político e social, que é o lulismo, é preciso entender o principal protagonista desse processo.

O presidente Lula e os quase 5 governos que ele protagonizou não nasceram de rupturas políticas. Ao contrário. São, na verdade, resultados de negociações e conciliações.

Lá no primeiro mandato, para ganhar a confiança dos que de fato mandam no País, foi apresentada a famosa “Carta ao povo brasileiro”.

Esse documento, assinado em junho de 2002, pelo então candidato à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em síntese, assegurava que, em caso de vitória, ele e o PT respeitariam os contratos nacionais e internacionais.

Vitorioso, Lula cumpriu à risca o pacto. O que lhe proporcionou o segundo mandato e ainda lhe permitiu eleger a sucessora por mais 2 gestões. Daí em diante todos sabem o que ocorreu. Dilma, no caso, era liderança derivada do protagonismo e liderança de Lula.

Este quinto mandato — o terceiro de Lula propriamente —, em grande medida, é resultado do desastre que o impedimento de Dilma causou ao País, quando o acordo que erigiu a “Nova República” foi comprometido. E se rompeu com a eleição de Bolsonaro, em 2018.

O que foi 1 das causas do desabrochar da extrema-direita virulenta no Brasil, que está às voltas, desde 2013, contra a democracia liberal. Feita esta necessária introdução, vamos ao caráter do governo Lula no plano econômico, político e social, pois sem entender isto dar o passo seguinte será mais difícil.

Reformismos forte e fraco
Na tese de doutorado que virou livro — Os sentidos do lulismo —, o professor e cientista político André Singer afirma que há 2 PT: 1 antes e outro depois de 2002. O de antes era “um partido reformista forte”. O de depois virou “um partido reformista fraco”. “O partido de 2 almas”.

Na construção política do PT pós 2002, não há 1 linha sequer que proponha rupturas ou radicalizações, a fim de buscar transformações estruturais na sociedade brasileira.

Na economia, o governo passa longe de mexer nas contrarreformas — neoliberais — da Previdência e Trabalhista. Para dar 2 exemplos concretos. A correlação de forças no Congresso nem permite isso, já que qualquer alteração passa pelo Legislativo, agora mais resistente à essas e outras mudanças de paradigma.

Na agenda social, Lula, o governo, o PT e os aliados à esquerda, seguem a receita liberal clássica que, ao contrário do neoliberalismo, dialoga com o Estado para aliviar, minimamente, as dificuldades do povo, sobretudo, a parcela mais pobre, que é a maioria do povo brasileiro. Com adoção de políticas distributivas — destinadas a grupos específicos da população —, e redistributivas, que buscam promover o bem-estar social. Esta é mais difícil de fazer, pois pressupõe retirar de setores já contemplados para redistribuir. Ou seja, na economia, o governo é liberal neokeynesiano.

O que tem de extraordinário neste slogan repetido por Lula ao longo da campanha de 2022: “Colocar o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda”? Nada. Absolutamente nada. Em todas as democracias liberais do mundo é assim.

E os vice-presidentes de Lula e Dilma? José de Alencar, grande empresário do setor textil, e agora Geraldo Alckmin, político liberal de centro-direita, convertido ao lulismo. E Michel Temer, político liberal de centro-direita. 

Extrema-direita
Na verdade, no Brasil atual, a força que propõe ruptura, no caso, antidemocrática, é a extrema-direita, que era residual, hoje disputa o poder real. O progressismo — que saiu da ditadura fortalecido, até a primeira eleição de Dilma (2010) —, incluído aí a esquerda, está na contenção para evitar o pior, que seria o retrocesso antidemocrático.

Os fatos e exemplos são fartos e variados:

• 8 de janeiro de 2023 (invasão e depredação das sedes dos poderes em Brasília, principando tentativa de golpe de Estado);

• 24 de dezembro de 2022 (tentativa de atentado à bomba no aeroporto de Brasília, com intenção de provocar caos e desordem para estimular intervenção das FFAA);

• 12 de dezembro de 2022 (quebra-quebra no centro da capital, no dia da diplomação de Lula no TSE);

• 30 de outubro de 2022 (tentativa de impedir que os eleitores de Lula votassem, principalmente no Nordeste);

• os dias que sucederam o segundo turno (bloqueios nas estradas e acampamentos às portas dos quartéis clamando por intervenção militar — golpe de Estado) são exemplos de tentativas violentas de interrupção do Estado Democrático de Direto; e

• pode-se citar ainda o 7 de setembro de 2021 e 2022, ao conclamar apoiadores — em Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo — para comparecerem às manifestações, o então presidente não economizou em declarações que colocaram no espectro político a ameaça de que ele tinha pretensão de tomar medidas extremas para a recondução à Presidência.

Sem contar as inúmeras vezes que os ex-presidente, durante o mandato, abriu fogo contra as instituições republicanas: os poderes, a imprensa livre e as liberdades democráticas. Além de conspirar, até o fim e depois do fim do mandato, contra a democracia, a favor de golpe de Estado.

Nesse processo todo havia inclusive plano de intervenção no TSE, sequestro e assassinato de ministros do STF. Isto está contido na famosa “minuta do golpe”, encontrada na casa do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro.

Frente ampla
No plano político, o governo liderado por Lula se movimenta no limite do possível, em razão do perfil e das características que o performam: amplíssimo, contraditório e em disputa. Já o foi assim nas 4 gestões anteriores.

Mas, agora, o quadro é bem diferente e pior. A disputa está mais aguda e acirrada. A sociedade está dividida, o Congresso, mais conservador e majoritariamente neoliberal, com orçamento próprio, tem poder de agenda, que antes não tinha, e que muitas vezes se choca com a do governo; e oposição extremada e disruptiva.

Diante desse quadro, as possibilidades de retrocessos são mais intensas, o que faz o governo mais cauteloso e muitas vezes tímido para propor agendas mais avançadas. E, se não o fez isso anteriormente, cujo quadro era mais estável e favorável, terá mais dificuldades de propor agora.

Conclusão: o governo Lula, embora cheio de contradições e limitações objetivas, é o que se tem de melhor e mais avançado no País para, além de impedir que a extrema-direita volte ao poder, se possa melhorar a sociedade brasileira para aqueles que mais precisam de governo, com alguma agenda social, que atenda à maioria da população.

Assim, é preciso evitar, na medida do possível, o criticismo, que cabe à oposição, e o governismo acrítico, que não ajuda o governo a avançar. Ou pelo menos tentar avançar.

Certamente, tudo indica, para ser reeleito terá de repetir a tática eleitoral de 2022. Isto, se a condução da economia tiver êxito.

 

Por Marcos Verlaine - Jornalista, analista político e assessor parlamentar do Diap

Fonte: Diap

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