Militantes de origem árabe do PCdoB escrevem sobre a Palestina

 

Por Shamira Rossi, Bruno Bou Haya e Maria Eduarda Ferreira José

Por que a Guerra não é entre Israel e Hamas como faz parecer a mídia? Nessa carta, buscamos contrapor o discurso midiático que coloca a ofensiva israelense em Gaza como consequência ao ataque do Hamas em seu território. Veremos a seguir a sanha sionista pela região e as sistemáticas investidas desse estado para roubá-lo massacrando o povo palestino. Nosso objetivo é demonstrar que este conflito se dá de forma assimétrica entre as forças de ocupação israelenses contra a Palestina e provar que o Hamas, embora inimigo de Israel, participa dos seus planos  para a região. Contudo, não podemos deixar de lamentar as mortes que já ocorreram de ambos os lados e as que teremos nas próximas semanas.

Primeiramente, mais importante do que discutir se os atos do Hamas são ou não terroristas, é discutir o contexto de seu surgimento e o interesse do sionismo nele. Yasser Arafat cumpria um papel importante na diplomacia mundial. Como presidente da Organização para Libertação da Palestina (OLP) e líder do Fatah, fez agendas internacionais assinando acordos com outras nações. Sua figura proeminente lhe deu autoridade sobre este povo e, sua diplomacia, não o tornou o inimigo ideal para o estado autoritário de Israel. Assim, o projeto sionista incentivou uma cisão à visão de sociedade palestina proposta por Arafat, com a figura de Ahmed Yassin, que ganhou força ao fundar Al-Mujama al Islami, sua própria organização. Ela foi reconhecida como instituição de caridade e, mais tarde, pode construir uma universidade islâmica, mesquitas, clubes e escolas, apoiada e financiada pelo estado de Israel como a ONG oficial dos palestinos em Gaza.

Esse foi o começo da divisão do povo palestino para enfraquecer seu inimigo histórico, Arafat. Em seguida, Ahmed funda o Hamas e, em 2006, sua organização teve o poder de Gaza concedido unilateralmente por Israel por apresentar o extremismo necessário para justificar a atuação sionista dizendo que matava apenas perigosos fanáticos religiosos em vez de admitir o genocídio de um povo mobilizado pelo direito à vida e pelas suas terras.

A presença estadunidense na escalada deste conflito é incontornável. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, Israel é o país do mundo que mais recebeu, cumulativamente, recursos dos EUA. Segundo o relatório do Congresso americano publicado em março deste ano, foram estimados US$ 260 bilhões entre 1946 a 2023. Mais da metade desse montante foi para auxílio militar israelense. O veto dos Estados Unidos nesta quarta-feira (18) à proposta do Brasil no Conselho de Segurança da ONU, que cria um corredor humanitário para socorrer civis na região, evidencia o interesse deste país no conflito. Como principal financiador de Israel, seu interesse atravessa qualquer tratativa de paz no local e sua responsabilidade pela barbárie promovida por seu aliado é inquestionável.

No campo cultural, o Ocidente criou uma ideia de Oriente profundamente nociva aos árabes, representando-os pejorativamente na mídia de massas. Hollywood fez desse povo o maior vilão da sua indústria ao não representá-lo com humanidade, incapaz de sofrer e de sentir. Deram luz às diferenças em detrimento das semelhanças, com objetivo de afastar e moldar a ideia de Oriente. Nesse sentido, vemos a produção de notícias da mídia reforçando tais estereótipos diariamente. Como exemplo, sabemos não só os nomes e rostos dos mortos israelenses como acompanhamos seus enterros enquanto desconhecemos as vítimas palestinas, tratados como cidadãos de segunda classe. Esse comportamento diz muito sobre o ponto de vista das informações que chegam a nós via agências internacionais alinhadas aos interesses do norte global.

Quase 30 anos depois dos Acordos de Oslo, fica cada vez mais evidente que o projeto sionista não quer a paz. No fim das tratativas em 1995, um militante judeu ortodoxo de extrema direita, Ygal Amir, disparou dois tiros no primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin, transformando-o em mais uma vítima do sionismo, como os palestinos. A morte de Rabin enfraqueceu o acerto no acordo e mostrou a disposição dos sionistas em expandir o território israelense matando não só um outro grupo étnico como também parte do seu povo que se opôs ao seu projeto ocupacional. Agora, depois de reiniciado os conflitos, as forças israelenses já atingiram o hospital Baptista Al-Ahli matando mais de mil pessoas em Gaza, entre elas crianças e mulheres, e um dia depois, quinta-feira (19), atingiram a igreja de São Porfírio onde centenas de cristãos e muçulmanos buscaram refúgio. Neste ataque, novas vidas foram ceifadas e parte da história da humanidade se perdeu ao destruir a terceira igreja cristã mais antiga do mundo, com mais de 1.500 anos de existência, vindo abaixo sob o bombardeio.

Enquanto o povo árabe e seus apoiadores se levantam pelo mundo, o establishment ocidental contra-ataca: o bilionário Ronald Lauder, presidente do Congresso Judaico Mundial, ameaça retirar financiamento da Universidade da Pensilvânia após realizarem evento sobre literatura palestina na instituição; o Youtube desmonetizou conteúdos pró-Palestina; o Facebook retirou tais

informações de suas plataformas, o instagram inseriu a palavra “terrorista” em perfis que defendiam a Palestina livre e jogadores do futebol europeu são punidos por apoiar essa causa, entre outros casos. Por isso, é importante dizer: o povo palestino não enfrenta só um adversário mais forte e mais preparado, ele também luta contra a cultura hegemônica do Ocidente. Podemos observar que a reação das elites diz muito sobre elas: chamam os governos do Oriente Médio de autoritários, porém são os primeiros a impedir uma discussão sobre a região. Para eles, a democracia é só o regime que assegura a sua agenda na manutenção do status quo e que mantém a sua cultura branca como universal em detrimento de todas as outras.

É preciso entender que a causa Palestina perpassa a histórica subjugação do povo árabe pelo Ocidente. A luta pela humanização dos árabes e muçulmanos na cultura ocidental se soma à Palestina livre. Agendas sobre esses dois temas são fundamentais para desmistificar o Oriente para o Ocidente, organizando debates em universidades e sindicatos, aulas públicas na rua, ou atos que mobilizem descendentes árabes e simpatizantes da causa. Essas são atividades importantes que, mesmo a distância, fortalecem a causa Palestina.

Por fim, é necessário entender que essas agendas estão, acima de tudo, a serviço deste povo. Não podemos oferecer, portanto, cenas capazes de fortalecer a narrativa anti-semita que o sionismo espera e utiliza contra nós. Nossa agenda tem o objetivo de libertar esse povo da opressão e devolver seus territórios, e isso em nada tem a ver com reaquecer a disputa interna do Brasil com uma nova interface política. Por mais que estejam bem definidos cada lado do espectro político, a luta pela causa palestina precisa daqueles que queiram apoiá-la, seja de esquerda, de centro ou de direita, bem como judeus e toda a diversidade da sociedade brasileira que se posicione contra o sionismo e enxergue a brutalidade e o apartheid que os árabes palestinos estão submetidos há dezenas de anos pelo estado de Israel.

 

Fonte: Fundação Maurício Grabois

.