Para sociólogo e docente do IFCH, “a reinvenção de outro modo de vida é urgente”

O empobrecimento da classe trabalhadora, a intensificação das desigualdades e a devastação ambiental, segundo o sociólogo Ricardo Antunes, formaram o solo fértil para a eclosão de uma pandemia que já era previsível. Professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, Antunes acaba de lançar a obra Capitalismo Pandêmico, em que analisa o atual estágio do capitalismo, um sistema “autofágico e destrutivo”. Em entrevista ao Jornal da Unicamp, ele afirma que a pandemia mostrou a urgência de inventar um novo modo de vida: “ou mudamos o mundo ou o mundo vai acabar com a humanidade”.

A obra compila ensaios e artigos que o sociólogo escreveu nos últimos anos, alguns inéditos em língua portuguesa. Além de analisar a destrutividade do capitalismo em nível global, Antunes se detém no contexto brasileiro que, para ele, vive o momento mais grave de toda sua história republicana. “É um livro sobre o horror pandêmico, sobre a confluência de três pandemias que estão destruindo o nosso país”: a pandemia de coronavírus, o “pandemônio Bolsonaro” e a pandemia dos trabalhos uberizados, diz.

No livro, o docente também aponta os limites de um mundo do trabalho em que há duas pontas de um mesmo vilipêndio: o trabalho intermitente e uberizado, e a indústria 4.0. “Um desemprega, porque é tudo robotizado, e o outro precariza”. Enquanto há milhões de pessoas trabalhando jornadas exaustivas e sem direitos, reflete Antunes, há milhões de desempregados. “Essa é a humanidade que queremos?”, questiona o sociólogo.

Ricardo Antunes lança a obra Capitalismo Pandêmico
Para Ricardo Antunes, o empobrecimento da classe trabalhadora, a intensificação das desigualdades e a devastação ambiental colaboraram para eclosão da pandemia

Jornal da Unicamp – Inicialmente, professor, de onde parte a ideia do livro e quais são as pandemias que atravessamos?

Ricardo Antunes – A ideia de publicar este livro não foi premeditada. Em abril de 2020, no começo da pandemia, com as mortes se intensificando no Brasil e com o governo negacionista de Bolsonaro implementando sua prática antivacina, fui convidado pela editora Boitempo na figura da editora Ivana [Jinkings], para publicar um ensaio em ebook numa coleção chamada Pandemia e Capital. Seriam dez títulos, com autores como [Slavoj] Zizek, Boaventura [de Sousa] Santos. Fiquei honrado com o convite para publicar esse pequeno texto sobre coronavírus e trabalho [Coronavírus: o trabalho sob o fogo cruzado]. 

Fiquei impressionado positivamente porque, depois de lançá-lo, recebi o convite para publicar a edição italiana dele e prontamente aceitei. Para minha surpresa, meses depois recebi um convite de uma editora para publicar na Áustria e na Alemanha. 

Também escrevi um livro a convite da Editora Castelvecchi, A política da caverna: a contrarrevolução de Bolsonaro, que só havia publicado na Itália porque era voltado a um público estrangeiro. Então o livro Capitalismo Pandêmico nasce de livros e artigos publicados aqui e no exterior. É sobre o horror pandêmico, sobre a confluência de três pandemias que estão destroçando o nosso país. Dentre elas, duas pandemias que se intensificam uma à outra: a pandemia da Covid-19 e o pandemônio Bolsonaro. E, no contexto da pandemia e do pandemônio, entramos também na pandemia da uberização, que é o único tipo de trabalho que cresce sem parar. 

JU – A ideia de capitalismo virótico ou pandêmico já aparecia no livro Coronavírus: o trabalho sob o fogo cruzado. Nas duas obras você aponta que a pandemia de Covid-19 era previsível. Que elementos apontavam para essa previsibilidade?

Ricardo Antunes: No livro Coronavírus: o trabalho sob o fogo cruzado, eu afirmei várias vezes que estamos vivendo um capitalismo virótico, pandêmico. Era ainda uma ideia inicial, mas o núcleo dela estava ali. Só não tive a ideia de dar o título naquele momento até porque o quadro do horror foi se consolidando ao longo dos anos 2020 e 2021, quando chegamos a três mil, quatro mil mortes diárias.

Por que é um capitalismo pandêmico? István Mészáros, autor com quem dialogo há muito tempo (e que doou sua biblioteca para Unicamp), afirmava que a partir da crise estrutural de 1973, o sistema de capital objetiva a autovalorização, não para de se expandir, e se mostra incontrolável. A destruição ambiental, do trabalho e da humanidade nos levaram ao limite.

No sistema expansionista incontrolável do capital, baseado numa economia em que a indústria bélica é poderosa, só faltava a pandemia. E a pandemia não é uma aberração da natureza. É elementar: quanto mais aquecimento global, mais degelo e quanto mais degelo, mais os vírus que estavam ali se espalham pelo mundo. Quanto mais queimada, mais você destrói o habitat e mais esses organismos se espalham. A pandemia é a consubstanciação dessa tragédia, das consequências destrutivas do capitalismo, da extração mineral, da produção de agrotóxicos. Se alguém falar que estou exagerando, eu estou, mas para menos. Nós sabemos quantas pessoas perdemos no mundo, sabemos das noites que passamos em claro quando tínhamos parentes próximos contaminados numa época em que não tínhamos sequer vacina.

É um capitalismo destrutivo, incontrolável, pandêmico e belicista. É um capitalismo letal. É uma expressão forte porque temos também o chicungunha, a dengue, a varíola do macaco, uma sucessão de horrores. Enquanto isso, Elon Musk e Jeff Bezos, os dois com um caixa de 1 trilhão de reais no bolso, estão fazendo experimentos para acumular [capital] no espaço. Para quê? Para descobrir um território para eles, para os ricos irem morar, enquanto nós ficamos no lixão da Terra que eles criaram, com cada vez mais aquecimento e mais riscos?
 

“A destruição ambiental, do trabalho e da humanidade nos levaram ao limite”, afirma o sociólogo
“A destruição ambiental, do trabalho e da humanidade nos levaram ao limite”, afirma o sociólogo

JU – Então, entrando na questão do Brasil, você escreve no livro que o país se tornou um cemitério coletivo em um contexto de abismo humano. Por quê?

Ricardo Antunes – O país vive um momento de crises múltiplas e simultâneas. Desde 2014,  estamos num processo de crise econômica, com a retomada do desemprego. Houve as explosões de junho de 2013, que mostravam que algo não ia bem. A crise econômica que explodiu na Europa e nos Estados Unidos em 2008 e 2009 chegou aqui por volta de 2013 e 2014. Além da crise econômica que a cada ano se agudizou, tivemos duas tragédias políticas: o golpe de 2016 e a eleição de Bolsonaro em 2018. 

O Bolsonaro é uma aberração, foi eleito em um período global de “contrarrevolução preventiva”, como fala Florestan Fernandes. A vitória de Trump já foi um momento de explosão da extrema-direita e do seu poder no mundo. Antes já havia sinais disso, mas essa vitória marca a entrada da extrema direita no tabuleiro, que antes se alternava entre direita, centro, centro-direita e centro-esquerda. 

O Brasil vive hoje, em 2022, o momento mais grave e mais agudo de toda a história republicana do país. Estamos vivendo uma semi-ditadura e uma farsa de legalidade. Em condições normais, o STF [Supremo Tribunal Federal] e o Congresso já o teriam deposto. Por que isso não aconteceu? Em parte porque a pandemia tirou os movimentos sociais das ruas. 

O último ponto que é vital para a gente entender é que se criou uma extrema-direita virulenta no Brasil, que está armada. São milicianos, motomilicianos. Há ainda uma base da polícia militar e do Exército que apoia Bolsonaro. Estamos vivendo um horror. Todo esse cenário se une à PEC do fim do mundo, que cortou dinheiro para saúde, educação e previdência, a contrarreforma trabalhista, que destruiu a CLT [Consolidação das Leis do Trabalho], a espinha dorsal dos direitos do trabalho, a legalização da uberização, que é a legalização do ilegal, é dar a algo que é repugnante um estatuto de legalidade, como por exemplo, o trabalho intermitente e uberizado. É repugnante do ponto de vista social porque é um trabalho no qual homens e mulheres não têm nenhum direito, nem de descansar, não têm sábado, domingo, férias. E se se acidentam? Resta recorrer ao SUS [Sistema Único de Saúde]. E quando o SUS está lotado? 

O traço fundamental do trabalho uberizado e intermitente é que você vira empreendedor, o que é uma mistificação, uma adulteração léxica sem limites. Como você vai chamar de empreendedor um trabalhador desempregado que está pulando de um emprego precário para outro? Basta lembrar que antes da uberização tivemos a terceirização, e o aumento da informalidade. Antes da pandemia, os índices de informalidade no Brasil já estavam próximos de 40%. Todo esse quadro levou ao horror de Bolsonaro. E é este quadro agora que nos levou ao cemitério coletivo, às valas criadas diuturnamente, caixões em cima de caixões. No Amazonas não havia oxigênio, isso para os pobres. O vírus tem corpo de classe, não é que ele escolhe o pobre, por favor, mas ele tem corpo de classe. Os ricos têm casas, sistema de saúde privado, podem fugir para o exterior. E as pessoas que estavam na informalidade? Por isso a pandemia atingiu mais negros e negras, indígenas, trabalhadores da periferia. Depois da reforma trabalhista de [Michel] Temer [presidente do Brasil de 2016 a 2018] e da terceirização total, da contrarreforma da previdência de Bolsonaro, que arrebentou a previdência pública, temos um país destroçado. Reduzem o orçamento da saúde e da educação para pagar o sistema da dívida pública. Esse é o problema. Nós chegamos a um limite. 

JU – E daí vem a ideia de pandemônio político…

Ricardo Antunes – A ideia de pandemônio vem de John Milton, inglês, referindo-se a um grupo pequeno grupo que lá no quinto dos infernos decide o futuro da humanidade. 
O que é o pandemônio político? É essa combinação esdrúxula de um semi-Bonaparte, que oscila entre o protofascismo e o neofascimo, um modelo de extrema-direita como o do Trump, como o das Filipinas, Turquia, Hungria e de tantos outros países. E por que é um pandemônio? Porque foi uma excrescência que se criou para tirar o PT do poder.
Esse é um governo inqualificável, horripilante. Na ditadura, havia ministros do horror, como o Armando Falcão, o responsável pela repressão. Mas havia também Severo Gomes, o que era estranho: um burguês tido como progressista. E o que dizer desse governo? É Bolsonaro com sua família, um núcleo de militares fascistas de extrema-direita e uma política neoliberal.

E no mundo do trabalho, hoje, há 10,5% de desempregados no Brasil. Houve uma pequena diminuição pela recuperação da economia, mas o emprego que se criou é mais precário. A renda média dos trabalhadores caiu, com os vilipêndios da uberização, dos trabalhos sem direitos, sem remuneração fixa, com o vilipêndio das mulheres, especialmente negras e indígenas.

É emblemático que a primeira pessoa a morrer no Brasil [em virtude do coronavírus] seja uma mulher negra trabalhadora doméstica. É horripilante porque ela ficou cuidando de uma família branca, a família se salvou e ela se contaminou. Quando ela se contaminou, os patrões chamaram o filho dela e disseram para cuidar da mãe. Por isso digo que a pandemia tem corpo de classe.

JU – Uma frase do livro sobre a situação dos trabalhadores do Brasil aponta que a classe trabalhadora se viu “entre a situação famélica e a contaminação virótica, ambas empurraram para a mortalidade e para a letalidade”. Qual a morfologia do trabalho no Brasil quando a pandemia chega e como ela atinge a população brasileira?

Ricardo Antunes – Em fevereiro de 2020, segundo dados do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], que são sempre aproximados, havia 40% de trabalhadores na informalidade. E quem está mais na informalidade? É a mulher negra e o homem negro, depois o trabalhador jovem da periferia, predominantemente negro, depois os trabalhadores brancos terceirizados e precarizados. Um trabalhador uberizado, de plataforma, não podia parar de entregar. A pandemia mostrou quais trabalhos são importantes. Importa produzir bombas e automóveis ou o trabalho de cuidados humanos? No meu caso, se não tivesse quem me entregasse comida, ficaria sem comer. Num dado momento era impossível para quem tem mais idade, e portanto com um risco mais acentuado, ir ao mercado fazer uma compra. Mas esses trabalhadores e trabalhadoras não puderam ficar em casa. O informal e o uberizado não podem entrar em lockdown porque morrem de fome. Isso eu repito no projeto Trabalho digital e indústria 4.0, inclusive viabilizado pela reitoria da Unicamp com o Ministério Público do Trabalho. Em um depoimento de um trabalhador que quebrou um braço, ele diz que ligou para a empresa, como Rappi, iFood, e disse que não podia entregar porque havia sofrido um acidente, estava com o braço caindo. O responsável fala: “Mas como não vai entregar a refeição? Tem que entregar”. Ele vai para o hospital, na semana seguinte é descontado e paga pela comida. Em que mundo nós estamos? Isso é trabalho digno? 

Quanto mais indústria 4.0, inteligência artificial, big data, 5G, quanto mais você internetiza e robotiza a produção e mais expande o trabalho uberizado, mais explode o número de desempregados, precarizados e informais. Essas foram as pessoas que morreram. Sem falar que temos que destacar sempre o magnífico trabalho das enfermeiras, enfermeiros, médicas e médicos, especialmente do SUS. Os que carregam a maca, os que guiam ambulâncias, os acompanhantes. Eles são suscetíveis à contaminação e frequentemente são terceirizados e precarizados. Eu li um depoimento durante a pandemia de um médico contratado via plataforma. Ele se contaminou e não tinha seguro-saúde. Quanto mais precarizado, mais contaminação e mais morte. Quanto mais no topo das classes sociais, menos mortes. Foi assim que o mundo do trabalho sofreu.
 

O novo livro resulta de várias publicações
A nova obra compila ensaios e artigos que o sociólogo escreveu nos últimos anos, alguns inéditos em língua portuguesa

JU – Como você diz no livro, o trabalho intermitente cresceu e ele faz também com que essas pessoas sumam das estatísticas do desemprego. Quais as características desse trabalho?

Ricardo Antunes – Somem do desemprego e vivem o risco intermitente do desemprego. Porque trabalha e ganha, não trabalha e não ganha. Claro, houve um crescimento também do trabalho formal, o que é natural porque as indústrias estão tentando voltar a produzir para compensar o atraso. O quadro que nós temos é esse: quando o trabalho é intermitente é um vilipêndio, porque hoje posso trabalhar e amanhã não. 

Saindo da Unicamp, subindo a Avenida Albino J. B. Oliveira, em frente ao McDonald's , há vários trabalhadores com motos esperando o chamado. Se ficarem duas, três horas ali, não ganham. Esses entregadores não têm hora de almoço ou jantar porque é o horário onde trabalham mais. Não podem beber água porque não têm onde urinar. Então não se alimentam na hora certa, não se hidratam. Como vão estar em dez anos? Enquanto isso, as empresas estão nadando em bilhões, trilhões. 

JU – Você diz que a pandemia suscita uma nova forma de vida. Qual é ela?

Ricardo Antunes – Parto de três ideias muito simples da vida cotidiana. Durante a pandemia tivemos sinais de que o ar melhorou. Foi quando houve lockdown, quando os transportes deixaram de circular e as fábricas pararam que começamos a respirar melhor. A partir da experiência da pandemia, podemos pensar quais são os trabalhos que a sociedade merece recuperar. Temos que reduzir brutalmente as atividades destrutivas. Por exemplo, parar de produzir carros e produzir trens, ônibus e investir em transportes coletivos. Não adianta começar a pensar em carro elétrico quando em qualquer capital ficamos horas parados no trânsito. Isso vai ferir grandes interesses capitalistas? Vai! Por isso é complicado. 

A primeira questão é pensar: produzir o quê e para quem? A segunda é: se você tem centenas de milhões de pessoas que trabalham 12, 14, 16, 18, 20 horas, e se tem outras centenas de milhões de pessoas que não trabalham, é preciso reduzir a jornada de trabalho, para que todos tenham trabalho. Mas e a “meta”? A meta é uma aberração. Vocês conhecem alguma empresa que diga que a meta é a felicidade do trabalhador, que é ele voltar pra casa, encontrar o companheiro(a), os filhos, esquecer o trabalho e o celular e voltar na segunda-feira ao trabalho? Quem está ganhando com isso? 

Para enfrentar a questão da destruição da natureza, é preciso mudar o modo de vida. Por que precisamos do carro do ano, por que não podemos ter uma infraestrutura que até muitos países capitalistas têm, como sistema ferroviário, sistema metroviário, um sistema de transportes coletivos? Aqui é a versão colonial do american way of life.
 

Sociólogo defende uma reinvenção urgente em nosso modo de vida
Sociólogo defende uma reinvenção urgente em nosso modo de vida

A segunda questão é se perguntar quais são os trabalhos vitais. O trabalho é um valor, e esse valor o sistema de metabolismo antissocial do capital converteu em um desvalor, ou em um não-valor, para criar mais-valor. O trabalho nasceu com o primeiro homem e a primeira mulher e é necessário para reproduzir a nossa vida. Mas o sistema capitalista introduziu uma segunda natureza: produzir para enriquecer alguém. Não importa se estou produzindo flores ou bombas, remédios ou narcóticos. Então temos que reduzir o tempo de trabalho e perguntar: produzir o quê e para quem? Precisamos desprivatizar e desmonetarizar a vida. Isso é complicado, mas tem uma alternativa: outra pandemia que mate mais alguns milhões. A Rosa Luxemburgo falou há um tempo: “socialismo ou barbárie”. Se ela estivesse viva, ela diria que já estamos na barbárie. 

 
O que é reinventar um novo modo de vida? É uma ruptura radical com o mundo em que vivemos hoje, se não vamos morrer mais cedo, os nossos filhos não vão sobreviver e os nossos netos nem vão existir. Falar isso hoje é óbvio, e por isso é um capitalismo pandêmico. O que os intelectuais públicos podem fazer? Eu tenho dito nos meus trabalhos de pesquisa que estamos vendo duas pontas no mundo do trabalho: o trabalho intermitente e uberizado, sem direitos, e a indústria 4.0. Um desemprega, porque é tudo robotizado, e outro precariza. São duas pontas do mesmo vilipêndio. Essa é a humanidade que queremos? Não é por acaso que eu digo em um dos meus livros: são os icebergs (trabalho uberizado, capitalismo de plataforma e indústria 4.0) à deriva que, acomodando-se a qualquer corrente e em qualquer lugar, afundam os navios. Charles Dickens, Tempos Difíceis. Ou seja, os navios estão afundando. E quem são os navios? A humanidade. E quem afunda primeiro? As negras, os negros, os pobres, os imigrantes, os indígenas, depois a classe média. E quando for afundar a alta burguesia ela já achou outro espaço. Não dá! 

A história é imprevisível, tanto podemos mudar substantivamente o mundo quanto ele pode acabar numa guerra nuclear que, em poucos minutos, não vai ter sobrado nada ou pode acabar porque o ar que vamos respirar em 10,15 anos vai se tornar irrespirável. É nesse sentido que a reinvenção de outro modo de vida é urgente. Muitos pesquisadores vêm dizendo a um tempo que estamos terminando uma era. Não é certo se essa era do antropoceno ou do capitalismo destrutivo vai ser substituída por algo melhor, pior ou se vamos desaparecer. Uma recuperação do ideário socialista aponta na direção do bem comum. Por isso, a experiência das comunidades negras, dos quilombos, das comunidades originárias é vital. Esses são pontos de partida. 

O mundo não é uma sucessão de pasmaceiras, ele é uma sucessão de horrores e de momentos mais felizes e, no meio disso, rupturas e transformações. Modestamente, eu digo que, se continuar assim, não é que no futuro não vai haver mais vida, nós já estamos sentindo, nenhum de nós sabe se amanhã ou depois vamos pegar uma dessas contaminações ou uma dessas doenças decorrentes dos agrotóxicos que já atingem milhões. Esse é o problema. Por isso there’s no alternative: ou mudamos o mundo ou o mundo vai acabar com a humanidade: a própria humanidade vai ser capaz de acabar com a vida humana. 

 

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