Neste 16 de setembro, registram-se 40 anos do massacre de Sabra e Chatila, quando mais de 3.000 refugiados palestinos foram mortos com requintes de selvageria, sob a cobertura das tropas israelenses que haviam invadido o Líbano.

Para recordar esse “crime de lesa-Humanidade”, totalmente silenciado pela mídia ocidental e pró-imperialista, publicamos este ensaio do historiador Raul Carrion.

No dia 16 de setembro, o alto comando israelense autorizou as tropas falangistas cristãs, sedentas de sangue, a entrarem nesses dois campos de refugiados para realizar uma chacina contra a população civil que ali vivia”

40 anos do massacre de Sabra e Chatila, pelo qual os sionistas israelenses têm responsabilidade direta.

Assinada a paz com o Egito, em maio de 1982 Israel deslocou as suas tropas para a fronteira sul do Líbano à espera de um motivo que justificasse uma “ação de limpeza” contra a Organização de Libertação da Palestina (OLP), que havia se estabelecido ali após sua expulsão da Jordânia.

A tentativa de assassinato do embaixador israelense Shlomo Argov, em Londres – levada a efeito pelo grupo de Abu Nida, inimigo da OLP – foi o pretexto de Israel para o início do ataque, em 4 de junho: “Recorrendo ao mesmo slogan da ‘erradicação do terrorismo palestino’, Israel passou a massacrar uma população indefesa, matando entre junho e setembro de 1982 cerca de 20.000 palestino e libaneses, quase todos civis” (FINKELSTEIN, Norman. Imagem e realidade do conflito Israel-Palestina. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 29). Somaram-se a esses mortos mais de 30.000 feridos, também na sua maioria civis.

Por interferência das grandes potências, foi negociada, então, a retirada da OLP do Líbano e a sua ida para a Tunísia, tendo Israel assumido o compromisso de não ocupar Beirute Ocidental, onde se encontrava a maioria dos campos de refugiados palestinos.

Em meados de agosto, com grande parte do país já ocupado por Israel, o chefe militar das ultradireitistas Falanges Cristãs, Bechir Gemayel, foi “eleito” presidente do Líbano, com o apoio das tropas israelenses. No dia 14 de setembro, Gemayel foi morto por um atentado à bomba.

Às 5 horas da manhã do dia 15, o Exército de Israel ocupou Beirute Ocidental, traindo o compromisso assumido de ali não entrar após a saída da OLP do Líbano. Tão logo a ocupação se concretizou, as tropas israelenses – comandadas por Ariel Sharon – cercaram os campos de refugiados de Sabra e Chatila.

No dia 16 de setembro, o alto comando israelense autorizou as tropas falangistas cristãs, sedentas de sangue, a entrarem nesses dois campos de refugiados para realizar uma chacina contra a população civil que ali vivia:

O massacre começa imediatamente. Irá durar, sem interrupção, quarenta horas. (…) Atiram sobre tudo aquilo que se move nas ruelas. Arrebentando as portas das casas, liquidam famílias inteiras em pleno jantar. Muitos são mortos de pijamas em sua própria cama. Em numerosos apartamentos, crianças de 3 ou 4 anos são encontradas, também de pijamas, enroladas em cobertores ensanguentados. Mas frequentemente, os assassinos não se contentam em matar. Em diversos casos, cortam os membros de suas vítimas antes de liquidá-las. Esmagam contra a parede a cabeça das crianças e dos bebês. Mulheres e até meninas são violadas, antes de serem assassinadas a golpes de machado. (…) No bairro de Horch Tabet, em Chatila, toda a família Mikdad é assassinada (…) Seus 45 membros, homens, mulheres e crianças, são executados sem exceção, alguns degolados, outros estripados. Entre eles uma mulher de 29 anos, chamada Zeinab, no oitavo mês de gravidez. Abrem-lhe o ventre, tiram-lhe o feto e o colocam nos braços de sua mãe morta. Matam seus outros sete filhos. Uma de suas parentes, Wafa Hamoud, 26 anos, grávida de sete meses, é morta com seus quatro filhos (KAPELIOUK, Amnon. O Massacrre de Sabra e Chatila. Belo Horizonte: Ed. Vega, 1983, p. 39-40.

A chacina dos palestinos de Sabra e Chatila prosseguiu por três dias, com a cobertura das tropas israelenses, que nada fizeram para detê-la ou impedi-la. O objetivo, além de liquidar milhares de palestinos, era gerar um terror tal nos sobreviventes que os levasse a abandonar o Líbano em massa.

O presidente dos EUA, Ronald Reagan – diante dos protestos em todo mundo pela ocupação israelense de Beirute Ocidental – defendeu Israel, mentindo sem qualquer pudor que este “foi levado a avançar devido ao ataque de uma milícia de esquerda remanescente” (Idem, p. 62).

Concluído o massacre, haviam sido mortas – com requintes de crueldade – mais de 3 mil pessoas e feridas outras tantas: “3.000 a 3.500 homens, mulheres e crianças assassinadas em cerca de quarenta horas, nos dias 16 a 18 de setembro de 1982, entre uma população que contava 20.000 pessoas nos dois acampamentos” (Idem, p. 81).

Só então, alguns correspondentes de imprensa, rádio e televisão foram autorizados a entrar em Sabra e Chatila e testemunhar com os seus próprios olhos as atrocidades cometidas, sob a responsabilidade e a vigilância de Israel, equivalentes aos mais terríveis crimes cometidos pelos nazistas alemães contra os judeus. O enviado do Washington Post assim descreveu o que viu:

Casas foram destruídas e reduzidas a pó por meio de tratores, enquanto nos moradores ainda se achavam em seu interior. (…) Num pequeno jardim, como dois sacos de trigo, jazem duas mulheres. Ao lado, em meio aos escombros, salta a cabeça de um bebê, os olhos fixos. Um outro bebê, em cueiro, está jogado ao chão, a cabeça esmagada. Do outro lado, num beco sem saída, encontramos duas meninas, uma de mais ou menos 11 anos, a outra de alguns meses: estendidas no chão, um pequeno buraco na cabeça. (…) Cada ruela poeirenta conta sua própria história. Numa delas, 16 cadáveres estão amontoados, uns sobre os outros, tortos e grotescos. Mais adiante, no pequeno pátio de uma casa, uma mulher de mais ou menos quarenta anos, com um vestido de algodão e lenço na cabeça, está estendida no chão, os olhos arregalados. Atiraram-lhe uma bala entre os seios (Idem, p.68-69).

A jornalista estadunidense Janet Lee Stevens descreveu:

“Vi mulheres mortas nas suas casas com as saias até a cintura e as pernas abertas; dezenas de jovens fuzilados depois de terem sido alinhados contra a parede de uma ruela; crianças degoladas; uma mulher grávida com o ventre aberto, os olhos ainda abertos, seu rosto enegrecido gritando em silêncio de horror; um sem número de bebês e meninos que haviam sido apunhalados ou despedaçados e que haviam sido atirados em monte de lixo” (BAROUD, Ramzy. La lección de Sabra y Shatila es de gran alcance. rebelión.org, 19.09.2022)

O massacre de milhares de palestinos nos campos de refugiados de Sabra e Chatila, com a conivência israelense, causou uma enorme comoção no mundo e em Israel, onde ocorreu a uma gigantesca manifestação de protesto, de mais de 400 mil pessoas. Multiplicaram-se os pronunciamentos contra esse horrendo crime de guerra.

O correspondente militar do jornal ZEEV SCHIFF denunciou: “As circunstâncias em que este ato bárbaro foi cometido demonstram de maneira irrefutável a responsabilidade de Israel”. O jornal HANNA ZEMER evocou o “governo facínora que levou o Estado de Israel a uma falência moral”. O jornal DAVAR lamentou: “É difícil ser israelense (…) Não podemos apagar essa mancha. O que fizeram (…) levou o Estado de Israel a uma falência moral.” Isradel Zamir, filho do Prêmio Nobel Isaac Bachevis-Siger afirmou: “Até agora a palavra pogrom tinha uma conotação que se referia diretamente a nós, judeus, enquanto vítimas. O Primeiro Ministro Begin ‘estendeu’ o significado do termo: houve Bay-Yar, Lídice, Oradur, e agora há também Sabra e Chatila.” E o romancista Itzhak Orpaz declarou: “Nunca os perdoarei por terem arruinado um país que eu amava, com uma orgia monstruosa de estupidez e morte. Nos acampamentos de Sabra e Chatila, meu pai e minha mãe, que perdi no holocausto, foram assassinados pela segunda vez.” (Idem, pp. 95-98).

Os protestos no mundo e em Israel forçaram Menahem Begin a criar uma comissão de inquérito para averiguar o acontecido. Apesar do Relatório final ter reconhecido a responsabilidade israelense na matança, a única consequência foi o afastamento “pro forma” do general Ariel Sharon da função de Ministro da Defesa, permanecendo no Gabinete como Ministro sem Pasta e como membro da Comissão Ministerial da Defesa Nacional. E, em 2001, ele foi eleito Primeiro Ministro de Israel.

Em 16 de dezembro de 1982, a Assembleia Geral das Nações Unidas condenou o massacre como um ato de genocídio, por 123 votos a favor, 0 contra e 22 abstenções. Mas sem qualquer consequência ou punição para Israel…

Em 2002, sobreviventes do massacre dos campos de refugiados do Líbano tentaram responsabilizar Ariel Sharon pelo Massacre de Sabra e Chatila no Tribunal Penal Internacional de Haia, na Bélgica, que tem entre suas atribuições processar os criminosos de guerra internacionais. Após muitos regateios, atrasos e intensas pressões por parte dos Estados Unidos, o caso foi simplesmente abandonado pelo TPI, deixando clara toda a sua hipocrisia, assim das nações ocidentais, que falam “da boca para fora” em democracia e em respeito aos direitos humanos, mas são coniventes com o martírio que sofre o povo palestino em sua luta, que já dura mais de 75 anos, pelo direito ao seu Estado Nacional.

 

Por Raul Carrion - Graduado em História pela UFRGS e Pós-Graduado pela FAPA Foi vereador em Porto Alegre e Deputado Estadual pelo PCdoB por dois mandatos.

Fonte: contee.org.br/

 

 

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